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Artigos

O Pensamento Astrológico no Timeu de Platão

Autor(a):

Celisa Beranger

em

30 de julho de 2017



Nosso interesse no diálogo do Timeu foi despertado pela afirmação do conceituado historiador Bouché-Leclerq, em seu livro L’Astrologie Grecque, do século XIX, quanto a importância deste diálogo de Platão para a aceitação e propagação da Astrologia na Grécia.

“Tudo em Platão estava pronto para se converter à astrologia”

Posteriormente o interesse foi aguçado ao descobrimos que de certa forma historiadores modernos, tais como Jim Tester e Tamsyn Barton confirmavam a afirmação de Leclercq.

Grupo de Estudos

Para pesquisar o que teria motivado as afirmações de Leclercq, nos empenhamos em organizar um grupo no Espaço do Céu, para descobrir que características a Astrologia poderia ter apreendido do Timeu. O grupo foi composto por seis astrólogas: Lucia Xavier, Marilda Goulart, Regina Célia de Souza, Sandra Fanzeres, Thereza Samuel e eu. A coordenação foi de Marcus Reis, profundo conhecedor da obra de Platão,  doutor em filosofia e estudioso de Astrologia. Não podemos deixar de ressaltar que a participação de Marcus foi fundamental para que o nosso objetivo fosse atingido. O resultado do trabalho deste grupo foi publicado pelo Espaço do Céu, em 2004, no livro O Timeu de Platão e a Astrologia.

Vamos apresentar os principais trechos da investigação do livro que demonstram  que Leclercq estava certo. 

Introdução ao Timeu

Partimos do princípio de que não poderia haver  Astrologia propriamente dita no Timeu, uma vez que, a história nos conta que os primeiros textos de Astrologia em grego são do final do século III ou começo do século II a.C, portanto não havia  Astrologia na Grécia na época de Platão, 429-348 a. C.

O Timeu  pertence à parte final da obra de Platão  Os personagens do diálogo são o próprio Timeu, Sócrates, Crítias e Hemócrates. Na introdução, os personagens se encontram para dar prosseguimento a um diálogo anterior. Por este motivo muitos comentadores assumem que Platão dá a entender que o Timeu seria uma continuação do diálogo anterior, A República.

N’A República Sócrates havia construído uma cidade teórica para descrever as características de uma cidade ideal e justa. No Timeu Sócrates deseja examinar como seria tal cidade teórica com vida, mas para chegar a  isto ele  propõe em primeiro lugar a construção do universo como um todo. Timeu é o personagem encarregado de descrever esta construção e também descrever a natureza humana de modo que, posteriormente, Crítias pudesse descrever os homens vivendo na cidade ideal, no contexto  do universo criado.

Cosmogonia, a descrição do nascimento do universo constitui a maior parte do Timeu e este é o principal motivo da fama deste diálogo.

Para que a Astrologia possa fazer sentido é preciso que exista um universo e a inclusão no Timeu de uma cosmologia, ou melhor, de leis gerais que regem o universo, oferece uma visão do mundo a partir do qual a Astrologia pode se embasar e elaborar suas teses.

Antes de abordar a construção do universo é preciso ponderar que, diversas vezes, o personagem Timeu lembra que as especulações acerca da cosmologia não devem ser consideradas literalmente, mas como uma descrição verossímil, já que o conhecimento perfeito do universo pertence somente a Deus.

As Duas Partes da Totalidade em Platão

A base fundamental para a construção do universo é a consideração de que a totalidade deve ser composta por dois mundos: por um lado, as coisas em eterno movimento, que se transformam constantemente e, por outro, as coisas imutáveis, que não nascem nem morrem, são eternas.

Marcus Reis explicou ao grupo que a distinção presente no Timeu é a reafirmação de uma realidade que Platão praticamente defendeu ao longo de toda a vida, a existência de dois mundos: o mundo do devir e o mundo do ser.

O mundo do devir corresponde às realidades em movimento e nunca pode ser algo, pois constantemente se transforma em outro, portanto não pode se fixar em nenhuma característica única. O mundo do ser corresponde às realidades eternas, é sempre igual, pois tem sempre a mesma característica.


SER

DEVIR

Inteligível 

Sensível

Imutável

Mutável

Razão

Necessidade

Eterno 

Incessante

Modelo

Cópia

Mesmo

Outro


O Demiurgo e a criação do universo

Considerando que o mundo do devir está sempre em transformação, ele precisa de uma causa para nascer, ou melhor, ele precisa ser criado. A criação é feita por um deus que no Timeu é denominado Demiurgo (em grego, construtor, criador). Mas este deus não cria do nada, molda uma matéria pré-existente segundo um modelo belo e virtuoso, perfeito e imutável, que é o mundo da razão ou mundo inteligível. O mundo sensível é a cópia que se modifica constantemente. Portanto, o Universo é uma combinação de dois mundos (ou dois gêneros): o inteligível, imutável e da razão denominado o mundo do Mesmo, e o sensível, mutável e da necessidade denominado o mundo do Outro.

Timeu 48a

“Com poucas exceções, tudo o que expusemos até agora só diz respeito às operações da inteligência. Mas ao lado delas precisamos tratar também do que se processa por efeito da necessidade. Porque a gênese do universo é o resultado da ação combinada da necessidade e da inteligência. Dominando a necessidade, convenceu-a a dirigir para o bem  a maior parte das coisas que nascem. A esse modo e por tal principio, foi que nosso universo se formou com a vitória, pela persuasão, da sabedoria sobre a necessidade”.

Marcus Reis também informou ao grupo a respeito da famosa predileção de Platão pelo bem e o belo. Em sua cosmologia, Timeu deixa claro que não há nada no universo que não seja regulado e conduzido por essas ideias. Todos os fenômenos ganham um encadeamento racional visando o melhor, o bem e o belo.

O Deus de Platão era o melhor e, ao criar, imprime características suas ao que foi criado. O Demiurgo era bom e perfeito e, sendo assim, não poderia deixar de ser generoso com sua criação. Criou o mundo das coisas sensíveis de modo que expressassem, o mais próximo possível, a perfeição do inteligível.  Fez a desordem passar para a ordem para que cada vez mais o sentido do bem estivesse presente, e para que o mundo do Outro fosse o melhor possível, dotou-o de inteligência.  Contudo, o mundo sensível não pode ser perfeito porque a necessidade gera imperfeição e, sendo assim, todas as coisas criadas não possuem a beleza do modelo ideal, mesmo que a perfeição fosse desejada.

Vale ressaltar que, criado à semelhança de um modelo vivo – o universo –, o mundo sensível é um ser vivo que tem alma e corpo. O Demiurgo moldou então uma alma para abrigar a inteligência e um corpo para abrigar alma.

Timeu 30abc

“Desejando a divindade que tudo fosse adequado e, tanto quanto possível, estreme de defeitos, tomou o conjunto das coisas visíveis – nunca em repouso, mas movimentando-se discordante e desordenadamente – e fê-lo passar da desordem para a ordem, por estar convencido de que esta em tudo é superior àquela. Não era nem nunca foi possível que o melhor pudesse fazer uma coisa que não fosse a mais bela de todas. Depois de madura reflexão, concluiu que das coisas visíveis por natureza jamais poderia sair um todo privado de inteligência, mais belo que um todo inteligente e, ao mesmo tempo, que em nenhum ser pode haver inteligência sem alma. Com base nesse raciocínio, pôs a inteligência na alma e a alma no corpo, e construiu o universo segundo tal critério com o propósito de levar a cabo uma obra que fosse, por natureza, a mais bela e perfeita que se poderia imaginar. Desse princípio de verossimilhança poderia concluir-se que o mundo, esse animal dotado de alma e razão, foi formado pela providência divina.” 

A alma, dotada de inteligência, foi moldada em primeiro lugar para ensinar e comandar o corpo, e o corpo veio depois para obedecer à alma.

Para ligar a alma ao corpo, o Demiurgo compôs um terceiro gênero (o mundo), mesclando o gênero do Mesmo e o gênero do Outro, denominado Ser. Colocando os três gêneros em um grande vaso, o Demiurgo combina as três substâncias em uma só. Depois as divide em diversas partes de modo que cada uma delas contenha uma mescla (fusão ou mistura) dos três gêneros, retirando do vaso porções matematicamente harmônicas para formar o universo.

A formação começa a partir de duas séries: a primeira, de razão 2, promove a série 1, 2, 4, 8. A segunda, de razão 3, promove a série 1, 3, 9, 27. As duas compõem a série completa: 1, 2, 3, 4, 8, 9, 27 (sete números como os sete astros conhecidos).

Tomando mais proporções do vaso, as situa em intervalos, e destes resultam novos intervalos, até que todos os intervalos sejam completados de modo harmônico.

A Alma do Universo

A partir de então, Timeu começa a descrever os fundamentos metafísicos de alguns dos conhecimentos astronômicos de sua época.

Utilizando toda a mistura, o Demiurgo dividiu a composição harmônica em duas metades e formou os dois grandes círculos máximos da esfera celeste: o Equador e a Eclíptica.

Timeu 36c

“Dividiu toda essa composição em duas metades, no sentido do cumprimento e cruzou-as pelo meio dando-lhes a forma de X, vergou-as em círculo e uniu as extremidades de cada uma com ela mesma e com a da outra no ponto oposto de sua intercessão. Depois envolveu-as no movimento que se processa uniformemente no mesmo lugar, deixando exterior um dos círculos, e o outro interior. O movimento exterior ele denominou movimento da natureza do Mesmo,  e o do círculo interior, movimento da natureza do Outro”.  


A colocação em forma de X indica o conhecimento do ângulo formado entre o Equador Celeste e a Eclíptica, que conhecemos como obliquidade da Eclíptica.

De uma forma simplista podemos dizer que, seguindo o enfoque platônico, o Demiurgo dividiu a alma do universo em duas partes: a do Mesmo e a do Outro.

A parte do Mesmo corresponde à abóbada celeste, a esfera onde se encontram os astros fixos, as estrelas. Esta parte contém um círculo que é o Equador Celeste. A parte do Outro é composta pelos sete astros errantes então conhecidos, os planetas. O círculo do Outro é a Eclíptica.

A figura escolhida pelo Demiurgo para dar forma ao universo é a esfera, considerada a mais perfeita das formas por ter todas as extremidades situadas a uma mesma distância do centro e, além do mais, sua superfície é lisa, pois não há necessidade de apêndices. Sendo a esfera uma figura fechada, nada entrava ou saía do universo, e fora dele nada havia para ser percebido.

E então o Demiurgo colocou o universo em movimento e esse movimento é circular, uma vez que Platão considerava este o movimento mais condizente com a mente e a inteligência.

O universo é movimentado pelos dois grandes círculos: o movimento do círculo do Mesmo – o Equador – é sempre igual, e o movimento do círculo do Outro – a Eclíptica – onde estão os planetas, é variável.

Os Astros, Instrumentos do Tempo

Tendo criado o universo, em sequência o Demiurgo cria os seres vivos que ele contém e começa pela raça divina, os astros, à qual designa a tarefa de criar os demais seres.

O tempo é a forma que o Demiurgo encontra para imitar a eternidade e a raça divina – os astros – é criada para marcar o tempo. Sendo divina e criada pelo Demiurgo, esta raça só pode ser desfeita pela vontade dele, portanto não está sujeita à morte. De qualquer modo, por representarem o tempo, os astros e o universo foram criados no mesmo momento para que, se algum dia acabarem, isto ocorra simultaneamente.

Timeu 37d-e

“E por esse modelo de um animal eterno, ele cuidou de fazer também eterno o Universo, na medida do possível. Mas a natureza eterna desse ser vivo não podia ser atribuída em toda a sua plenitude ao que é engendrado. Então, pensou em compor uma imagem móbil da eternidade e, ao mesmo tempo em que organizou o céu, fez da eternidade, que perdura na unidade, essa imagem eterna que se movimenta de acordo com o número a que chamamos tempo. E como antes do nascimento do céu não havia nem dias nem noites nem meses nem anos, foi durante aquele trabalho que ele cuidou do seu aparecimento.”

Timeu 38ª

“O Tempo imita a Eternidade e se move em círculo segundo o Número.” 

Para definir os números do tempo e assegurar sua conservação, o Demiurgo cria o Sol, a Lua e os cinco astros errantes, os planetas,  e um a um os coloca em sete órbitas no círculo do Outro.

Lembramos que até Copérnico, em todos os sistemas do universo, a Terra era considerada o centro. 

A Lua é colocada na primeira órbita, a mais próxima da Terra.

O Sol é colocado na segunda órbita.

Vênus – denominado astro da manhã – e Mercúrio – consagrado a Hermes – são colocados em círculos ou órbitas diferentes.

Com relação a Marte, Júpiter e Saturno, embora sejam citados, Timeu não se detém para explicar as órbitas em que foram colocados.

Timeu 39 b

“O Deus fixou um luminar na segunda órbita, a partir da Terra, a que chamamos Sol. Assim foi feito a fim de que o céu fosse luminoso por toda parte e que os seres vivos, para os quais fosse conveniente, participassem do número, que eles aprenderam a conhecer à vista da revolução do Mesmo e do Semelhante (o Outro). Assim, e por essas razões, nasceram a noite e o dia, que formam a revolução do círculo único e de todos os mais vistos.Assim nasceram o mês, quando a Lua, tendo percorrido sua órbita, reencontra o Sol; o ano, quando o Sol completa sua revolução”. 

Enfim, todos os astros criados para juntos constituírem o tempo, foram colocados em movimento.  Tornaram-se seres vivos, aprenderam o que o Demiurgo lhes ordenou e se incumbiram de criar as demais raças.

A Alma Humana

No forjar das demais raças, Timeu vai dar mais atenção à elaboração da alma humana. Ela será forjada nos mesmos moldes do universo e terá em si mesma o círculo do Mesmo e o círculo do Outro.

Este é um enfoque bastante relevante em termos astrológicos: a estrutura da alma do homem é semelhante à estrutura da alma do universo, portanto há igualdade entre o homem e o cosmo. Esta isonomia corrobora a lei de semelhança utilizada pela Astrologia: o que está acima é semelhante ao que está abaixo. O céu acima e o homem abaixo.

Porém, no que interessa à Astrologia, existem duas passagens muito importantes na etapa em que Timeu está descrevendo os sentidos (audição, tato, visão etc…) e como eles funcionam. A visão é o primeiro sentido a ser criado, aparece a necessidade de fundamentá-lo em uma causa mais profunda do que sua simples função de utilização.

Timeu 47b

“A visão, de acordo com minha opinião, é a causa do maior bem para nós, porque ninguém que não tenha visto nem as estrelas, nem o sol, nem o céu, poderia ter enunciado os presentes discursos sobre a totalidade. Por serem visíveis, o dia e a noite, os meses e as revoluções dos anos construíram não apenas o número,  mas também nos deram a consciência do tempo e a investigação da natureza do todo. A partir desses pontos, nós descobrimos a filosofia, da qual bem maior dado pelos deuses não poderá vir, nem nunca chagará à raça dos mortais”. 

Timeu 47d

“Mas devemos afirmar que a causa da visão é esta e para estes fins: o deus descobriu e nos deu a visão para que, contemplando as revoluções do intelecto no céu, as usássemos sobre as revoluções dos nossos pensamentos, pois elas são semelhantes àquelas, as desorganizadas semelhantes às organizadas. Nós aprendemos com elas e, adquirindo os cálculos corretos por natureza, devemos imitar as essências completamente imóveis do deus, colocando estáveis as essências erráticas dentro de nós”.

Timeu afirma que a verdadeira causa da visão é a contemplação do céu para que o homem possa aprender diversos saberes e copiar as revoluções do céu de modo a estabilizar as próprias revoluções internas.

Os Quatro Elementos e os Sólidos Perfeitos

Para criar os corpos visíveis e tangíveis o Demiurgo recorreu aos quatro elementos.

Esta é a parte do Timeu dedicada à Geometria, um saber fundamental para Platão, louvado na entrada de sua Academia: “Só entra quem souber Geometria”. 

Platão adota a doutrina dos quatro elementos de Empédocles (século V a.C) e, como Demócrates (séculos V e IV a.C), admite uma afinidade entre as figuras dos poliedros regulares e as propriedades sensíveis dos elementos. Timeu utiliza esta correspondência para explicar a maneira como a ordem foi introduzida no caos.

Timeu 53a

“Quando o universo começou a ser posto em ordem, a princípio o fogo, a água a terra e o ar revelavam traços de sua própria natureza, mas se encontravam no estado em que se é de esperar que esteja o que carece da presença de Deus. Constituído naturalmente dessa maneira, começou a divindade a dar-lhe uma configuração distinta por meio de formas e de números”.

A seguir, Timeu introduz a ideia de que os elementos são corpos que possuem três dimensões e são os mais belos sólidos.

Timeu XX

“Inicialmente, é claro para todo o mundo que o fogo, a terra, o ar e a água  são corpos. Ora, todos os corpos apresentam profundidade, sendo de necessidade forçosa que a profundidade esteja encerrada na natureza  da superfície e que toda superfície retilínea seja composta de triângulos  com um ângulo reto e dois agudos”

Timeu explica que a base de todas as figuras, que constituem a origem atribuída aos quatro corpos visíveis mais perfeitos, é constituída por dois triângulos elementares (o triângulo é uma ideia; em grego, ideia é igual a forma). Um deles é do tipo único porque possui os dois lados iguais e, portanto, também os ângulos iguais. Este é o triângulo denominado isósceles.  O outro possui um número infinito de tipos porque seus lados e ângulos são desiguais. Este segundo triângulo é denominado escaleno.


Timeu apresenta as figuras peculiares a cada elemento, começando pelas três constituídas pelos triângulos escalenos mais belos, denominados equiláteros, com os três lados iguais. De todo modo, o equilátero de Timeu é constituído por seis triângulos escalenos.



Os sólidos Perfeitos de Platão


Tetraedro – o primeiro e mais simples dos sólidos é formado por quatro faces de triângulos equiláteros. A figura de menor número de lados é uma pirâmide de base triangular. Timeu atribui esta figura ao elemento fogo, uma vez que ele possui a natureza mais móvel, cortante e aguda e também a mais leve.


Octaedro – formado por oito faces de triângulos equiláteros. Esta figura foi atribuída ao ar.


Icosaedro – composto por vinte faces de triângulos equiláteros, contém o maior número de partes: cento e vinte. Cada face é formada por seis triângulos. É a maior figura e, por isso, Timeu a atribuiu ao elemento água.


Timeu 55b


“Com a geração desses sólidos, um dos dois triângulos elementares completou sua missão, cabendo agora ao triângulo isósceles engendrar a natureza do quarto corpo”.


Hexaedro – também denominado cubo, é composto por seis faces quadradas. Cada face é constituída por quatro triângulos isósceles. Por ser a figura mais estável foi destinada ao elemento  mais estável, a terra.

 

Timeu 56bc


“Agora, devemos conceber todos esses elementos como de proporções tão reduzidas que cada um deles, considerado isoladamente em cada gênero, escapa à nossa vista, por sua pequenez. Só percebemos as massas formadas por uma multidão deles. Ademais, com relação à proporção numérica, movimentos e outras propriedades, devemos admitir que a divindade os juntou  na medida certa quando os  organizou com perfeição até nas menores particularidades, dentro dos limites permitidos pela necessidade condescendente e acessível à persuasão.”


Observação: Armand Rivaud, um dos importantes tradutores da obra de Platão, esclarece a respeito do enfoque dado por ele quanto às variáveis dos elementos. O fogo possui três variáveis: a chama ardente, a luz e os resíduos incandescentes da chama. O ar tem duas variáveis: o éter e a nuvem obscura.


A seguir, Timeu explica que as partículas destes corpos dos elementos não são simples porções de espaços vazios separados por planos geométricos. Seguindo Teeteto, o amigo de Sócrates e Platão, Timeu considera que os corpos são animados e preenchidos com movimento e poder, e estes são vigorosamente exercidos em lutas nas quais uma figura quebra a outra e pode se transformar em outra espécie.


Nestas lutas o fogo, o ar e a água podem se transformar uns nos outros porque os triângulos que as constituem são do mesmo tipo, escaleno. No caso de quebra, os triângulos continuarão a existir e serão recombinados, podendo formar uma figura diferente daquela na qual anteriormente estavam inseridos.


A terra é diferente dos demais elementos por ser o único constituído por triângulos de outro tipo, isósceles, e não se transforma em outra espécie.


O principal agente de transformações é o fogo, o mais ativo, móvel e agudo dos quatro elementos. Apresentado como um lutador e sendo o mais cortante, inflige mais danos do que recebe. A água é o elemento que mais sofre as modificações infligidas pelo fogo e pelo ar.


Timeu 56 d


“Quando a terra encontra o fogo, este a divide em virtude de sua agudeza, é arrastada de um lado para o outro, quer seja envolvida pelo próprio fogo, quer seja por uma massa de ar ou de água, até que suas partes tornem a se encontrar algures e, recompondo-se, virem novamente terra, pois de jeito nenhum poderá transformar-se noutra espécie.”


Timeu 56 de


“A água, pelo contrário, dividida pelo fogo ou mesmo pelo ar, ao recompor-se pode tornar-se uma partícula de fogo e duas de ar, do mesmo modo que os fragmentos de uma única partícula dissolvida de ar podem tornar-se duas de fogo”.


Os Quatro Elementos nos Corpos Visíveis

Para que pudessem brilhar o Demiurgo escolheu para os astros, a raça divina, o fogo.

Para executar a tarefa outorgada pelo Demiurgo de criar as demais raças, a raça divina utilizou os quatro elementos para constituir o corpo da raça humana, enquanto cada uma das três raças animais é constituída somente por um elemento. Os animais marinhos são constituídos pela água, os pássaros pelo ar e os animais terrestres pela terra.

O dodecaedro, a quinta figura, constituída por doze faces, completa os cinco poliedros regulares conhecidos como os “sólidos perfeitos de Platão”. Mas esta quinta figura aparece em uma única citação.


Timeu 55c


“Da combinação restante, a quinta, utilizou-se a divindade para decorar o universo”.


Como o dodecaedro é a figura mais próxima da esfera, escolhida como forma do universo, a citação “para decorar o universo” poderia fazer referência a isto. Porém, na opinião de alguns dos comentadores mais importantes, como é o caso de Archer Hind, Timeu poderia estar se referindo ao zodíaco. Talvez considerando também que o dodecaedro é constituído por doze faces, Archer Hind traduziu o grego diazographos como “colocar signos”, ao invés de “decorar o universo”, como fez a maioria.


A Importância dos Sólidos Perfeitos de Platão nos Descobrimentos de Johannes Kepler

Os sólidos perfeitos de Platão foram muito importantes para o famoso astrônomo, também astrólogo, Johannes Kepler, cujo pensamento com relação à ordem do universo, como Timeu, considera que foi criada por Deus.


Em 1595, durante uma de suas aulas, ao observar uma figura por ele desenhada no quadro, o jovem Kepler teve a ideia de associar os sólidos de Platão aos orbes do sistema planetário de Copérnico.


Para Kepler deveria haver uma razão que justificasse as distâncias dos planetas com relação ao Sol. Com seu espírito profundamente religioso, Kepler achava que Deus havia estabelecido racionalmente uma escala destas distâncias.  Como os planetas eram seis, e os sólidos cinco, estes poderiam ser os determinantes do universo. Deus só poderia ter criado um mundo perfeito e isto ocorreria segundo uma ordem geométrica, servindo-se para tanto dos polígonos regulares.


Na órbita de Saturno, Kepler inscreveu o hexaedro; na de Júpiter, o tetraedro; na de Marte, o dodecaedro; na da Terra, o icosaedro e na de Vênus, o octaedro.


Em função das conclusões deste estudo, Kepler foi um dos primeiros a avalizar o sistema de Copérnico propondo sua superioridade sobre os demais, porque o novo sistema se ajustava aos arquétipos que Deus havia usado para colocar em ordem o universo: a existência da associação dos cinco poliedros regulares aos seis planetas.


Os Quatro Elementos e a Causa das Doenças dos Homens


Como abordamos antes, segundo Timeu, o corpo humano é constituído pelos quatro elementos e a ocorrência de desequilíbrio entre eles ocasiona doenças.


Timeu XXXIX 82ª


“De onde vêm as doenças é o que, sem dúvida, todos compreenderão facilmente. Sendo quatro os gêneros que entram na composição do corpo: terra, fogo, ar e água, sempre que contrariamente à natureza haja carência ou excesso desses elementos, ou mudança da sede própria para um lugar estranho, ou então visto haver mais de uma variedade de fogo e dos outros elementos, quando predomina nalguma parte do corpo uma variedade que não lhe é adequada, ou por outra causa do mesmo tipo, surgem as desordens e as doenças”. 


Um exemplo dos excessos é apresentado na citação seguinte.


Timeu 86ª


“… excesso de fogo, produz inflamações e febres contínuas. O excesso de ar provoca febres cotidianas, e o de água, febres terçãs, por ser mais morosa a água do que o ar e o fogo. O excesso de terra, o mais lento dos quatro elementos, exige um período mais lento para purificar-se, e produz febres quartãs, difíceis de combater”.


Mas, com relação à saúde e às doenças, Timeu também ressalta a importância do equilíbrio entre a alma e o corpo.


Timeu 87 d


“… no que diz respeito à saúde e às doenças, à virtude e aos vícios, não há proporção nem desproporção de maior importância do que a existente entre alma e corpo”.


Conclusão


Ao final, como conclusão, Timeu parece querer reforçar o que já havia dito antes e que pode ser utilizado para embasar a premissa astrológica da relação entre os fenômenos celestes e os terrestres.


Timeu 80 d  


“Em tudo só há um meio certo de cuidar seja do que for, de conceder a cada coisa a alimentação e os movimentos adequados. Os movimentos semelhantes com a porção divina dentro de nós são os pensamentos do todo e as revoluções circulares. São essas que cada um de nós  deverá seguir para corrigir os circuitos que ao nascimento se iniciaram erroneamente  em nossa cabeça, o que se consegue  com o estudo  da harmonia e das revoluções do universo  e com igualar a parte pensante, em conformidade com sua natureza original, ao objeto do pensamento e, com isso, alcançar, no presente e no futuro, a meta proposta aos homens pelos deuses”.


Acrescentamos a excelente interpretação do nosso coordenador Marcus Reis para esta passagem.


“A meta proposta não pode ser nada além da felicidade. Quase não precisamos falar mais nada para apontar a implicação astrológica desta passagem.  Obviamente  não estão aqui todas as técnicas  astrológicas como, por exemplo, as características particulares de signos e planetas, mas encontramos o princípio organizador  e motivador da investigação astrológica. Platão no Timeu  corrobora, explica e  fundamenta um “imperativo astrológico” que nem sempre é claro para os próprios astrólogos: imitar em sua alma  perturbada a ordem inteligível do céu eterno”.


Concluímos afirmando que em nossa investigação constatamos a existência de pelo menos quatro pontos que parecem corroborar a visão astrológica do mundo.


1 – Como resultado de uma inteligência que segue um modelo exemplar, todos os fenômenos são ordenados e possuem um encadeamento racional, ou melhor, há uma razão para serem como são. Esta condição dá sentido aos fenômenos celestes e permite traçar uma relação com os terrestres.


2 – Um vasto estudo das características e funções dos quatro elementos, muito utilizados em Astrologia, inclusive com relação ao funcionamento do corpo humano.


3 – Há igualdade entre o homem e o cosmo, uma vez que a alma do universo e a alma do homem possuem estruturas semelhantes.


A condição de igualdade entre o homem e o cosmo conduz à lei de semelhança utilizada pela Astrologia e pode ser considerada como fundamento para embasar a premissa astrológica da relação entre os fenômenos celestes e os terrestres, especialmente no que se refere à alma humana.


4 – O homem deve estudar a harmonia da ordem inteligível das revoluções do céu e imitá-las em sua própria alma.

Este quarto ponto é o que verdadeiramente pode ser considerado como fundamento para a função da Astrologia. Para que o homem possa encontrar seu equilíbrio, imitando nas revoluções de sua alma as revoluções inteligíveis dos planetas, é preciso fazer uso do conhecimento que a Astrologia possibilita.


Bibliografia

BERANGER, Celisa e Outros. O Timeu de Platão e a Astrologia. Rio de Janeiro: Espaço do Céu, 2004.


BOUCHÉ-LECLERQ, A. L’Astrologie Grecque. Bruxelles: Culture et Civilization, 1963.


CORNFORD, F. M. Plato Cosmology. Indianapolis: Hackett, 1997.


HIND, ARCHER. The Timaeus of Plato. New York: Arno Press, 1973.


MOURÃO, Ronaldo. Kepler. Rio de Janeiro: Odysseus, 2003.


PLATÃO. Diálogos, Timeu e Crítias, Vol XI, Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade Federal do Pará, 1986.


RIVAUD, Albert. Platon Oeuvres Completes, Tomo X, Paris: Societé d’Editions des Belles Lettres, 1949.


Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2017


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